Dois caminhos que são um - Osho


"Há dois caminhos até a verdade suprema. 

O primeiro é o da auto-cultivação e o segundo é o da iluminação. O primeiro é basicamente errado. Ele apenas parece ser um caminho, mas não é. O indivíduo anda em círculos, mas nunca chega a lugar algum. O segundo não parece ser um caminho porque não há espaço para caminho quando uma coisa acontece instantaneamente, quando uma coisa acontece imediatamente. Quando uma coisa acontece sem levar tempo algum, como pode haver um caminho?

Este paradoxo tem que ser compreendido com a maior profundidade possível: o primeiro parece ser um caminho, mas não é; o segundo não parece ser um caminho, mas é. O primeiro parece ser um caminho porque há tempo infinito; é um fenômeno temporal. Mas qualquer coisa que aconteça no tempo não pode conduzir você além do tempo; qualquer coisa que aconteça no tempo só fortalece o tempo.

Tempo significa mente. O tempo é uma projeção da mente. Ele não existe; é só uma ilusão. Só o presente existe - e o presente não é parte do tempo. O presente é parte da eternidade. O passado é tempo, o futuro é tempo; ambos são não existenciais. O passado é apenas memória e o futuro é apenas imaginação; memória e imaginação, ambas são não existenciais. Nós criamos o passado porque nos apegamos à memória; o apego à memória é a fonte do passado. E nós criamos o futuro porque temos muitos desejos ainda por satisfazer; temos muita imaginação ainda a ser realizada. E os desejos precisam de um futuro como uma tela sobre a qual eles possam ser projetados.

Passado e futuro são fenômenos da mente; e passado e futuro criam toda a ideia que você tem do tempo. Normalmente, você acha que o tempo tem três divisões: passado, presente e futuro. Isso é totalmente errado. Não é assim que aqueles que despertaram vêem o tempo. Eles dizem que o tempo consiste só em duas divisões, passado e futuro. O presente não faz parte do tempo; o presente pertence ao além. 

O primeiro caminho - o caminho da auto-cultivação - é um caminho do tempo; nada tem  a ver com a eternidade.
O segundo caminho - o caminho da iluminação - é o que os mestres zen sempre chamaram de caminho sem caminho, porque ele não parece ser um caminho de jeito nenhum. Não pode se apresentar como um caminho; mas, apenas para facilitar a comunicação, nós o chamaremos arbitrariamente de segundo caminho. O segundo caminho não é parte do tempo, é parte da eternidade. Por isso, ele acontece instantaneamente; acontece no presente. Você não pode desejá-lo, não pode ambicioná-lo. 

No primeiro caminho, o caminho falso, tudo é permitido. Você pode imaginar, pode desejar, pode ser ambicioso. Você pode mudar todos os seus desejos mundanos em desejos do outro mundo. É isso que as pessoas pretensamente religiosas fazem. Elas já não desejam dinheiro - estão fartas do dinheiro, cansadas dele, frustradas, entediadas - mas começaram a desejar Deus. O desejo persiste, apenas muda seu objeto. O dinheiro não é mais o objeto dos desejos; Deus é. O prazer não é mais o objeto dos desejos; a felicidade é. Mas que tipo de felicidade você imagina? Qualquer coisa que você imagine em nome da felicidade é apenas a sua ideia de prazer - talvez um pouco refinado, melhorado, sofisticado, mas não pode ser mais que isso.

As pessoas que para de desejar coisas mundanas começam a desejar o céu e os prazeres celestiais. Mas quais são eles? Aspectos ampliados dos mesmos velhos desejos;(...) 

Mas com os desejos espirituais há um perigo ainda maior, porque eles são de outro mundo e para vê-los você precisa esperar até a morte. Eles se realizarão só após a morte; portanto você não pode se libertar deles em vida, não pode se libertar enquanto estiver vivo. E, para um homem que viveu de maneira inconsciente a vida toda, a morte será a culminação da inconsciência; ele morrerá inconsciente. Na morte também ele não será capaz de se desiludir. E a pessoa que morre na inconsciência nasce novamente na inconsciência. É um círculo vicioso; vai se repetindo sem cessar. E a pessoa que nasce na inconsciência irá repetir a mesma atitude que vem repetindo por milhões de vidas;

A menos que você se torne alerta e consciente em vida, a menos que você mude a qualidade de seu modo de viver, você não morrerá consciente. E só uma morte consciente pode levar você a um nascimento consciente; e então, uma vida muito mais consciente abrirá suas portas. (...)

Assim, o primeiro caminho não é realmente caminho, mas um engodo - um engodo muito tentador; Em primeiro lugar é a auto-cultivação. Não é contra o ego, mas enraizado no refinamento do ego. Procure refinar o ego de toda impureza, e ele se tornará um eu. O ego é como um diamante bruto: você vai cortando e polindo até ele se tornar um diamante muito precioso. Essa é a sua ideia de 'eu', que porém não é mais que o ego com um nome bonito, com um sabor espiritual adicionado. É o mesmo velho ego ilusório.

A própria ideia encerrada em ' eu sou' é errada. O todo é , Deus é - eu não sou. Ou existo eu, ou existe Deus, mas não podemos os dois existir - porque, se eu existo, então sou uma entidade separada. Então, tenho minha existência independente de Deus. Mas Deus simplesmente significa o total o todo. Como posso ser independente disso? Como posso ser separado disso? Se eu existo, destruo a própria ideia da totalidade. (...) A própria ideia de 'eu sou' é anti-espiritual.

E o que é a auto-cultivação? É um esforço para polir, um esforço para criar um caráter bonito, abandonar tudo o que é irresponsável e criar tudo o que for respeitável. É por isso que em diferentes países, diferentes coisas são cultivadas por pessoas espirituais - pessoas pretensamente espirituais. Depende da sociedade; o que a sociedade respeita será cultivado. (...)
Tudo o que a sociedade respeita passa a ser um alimento para o seu ego. E as pessoas estão prontas para fazer qualquer tolice. A única alegria é que isso trará respeitabilidade.(...)

Tente entender o paradoxo: é muito importante para a compreensão do espírito do zen.
Zen não é uma pista, não é um caminho. Por isso, é chamado de portão sem portão, caminho sem caminho, esforço sem esforço, ação sem ação. Empregam-se esses termos contraditórios para apontar para uma determinada verdade: a de que um caminho significa que há uma meta, e a meta tem que estar no futuro. Você está aqui, a meta é lá, e entre você e a meta é necessário um caminho, uma ponte, para unir os dois. A própria ideia de caminho significa que você ainda tem que chegar em casa, que aqui ainda não está em casa.

O segundo caminho - o caminho sem caminho, o caminho da iluminação - tem uma revelação totalmente diferente a fazer; uma declaração totalmente diferente e de imenso valor: que você já é o caminho. 'Ah, isso!' Não há lugar para onde ir, não há necessidade de ir. Não há ninguém a quem ir. Nós já somos iluminados. E só pode acontecer num instante - porque é uma questão de despertar.

Por exemplo, se você adormeceu e está sonhando ...pode sonhar que está na lua. Acha que, se alguém o acordar, você terá que voltar da lua? Levará tempo? Se você já chegou à lua, então terá que voltar, e isso levará tempo. A nave pode não estar disponível no momento. Pode não haver passagens disponíveis; a nave pode estar lotada. Mas você pode ser acordado porque é só um sonho estar na lua. Na verdade você está em sua cama, na sua casa: não foi a lugar algum. Só uma pequena sacudidela e de repente, você está de volta - de volta de seus sonhos.

O mundo é só um sonho. Não precisamos ir a lugar algum, sempre estivemos aqui: nós estamos aqui e vamos ficar aqui. Mas podemos adormecer e podemos sonhar. (...)
Todas as crenças são sonhos. Você não é o que acredita ser. Talvez você tenha sonhado há tanto tempo que os sonhos parecem quase realidade.

Então, a questão não é de auto-cultivação: a questão é de iluminação.

O zen acredita na iluminação súbita porque acredita que você já é iluminado; porém, uma certa situação é necessária para despertá-lo. Basta um pequeno alarme. Se você estiver levemente alerta, bastará um pequeno alarme, e você subitamente despertará. E todo o sonho com seus longos desejos, jornadas, reinos e montanhas, oceanos ...todos terão desaparecido num único instante."
Osho em O Homem que amava as gaivotas.

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